segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O que sobrevive em mim...




... não é a distância do passado
naquilo em que ele foi
de guerreiro
ou covarde

Não é a memória de minha música
naquilo em que construiu
de presente ou futuro
longe de harmonias
sem amparo

O tempo
pra mim pouco importa
Nenhuma porta
pode ser aberta
por nada que não seja
o que a alma deseja

tanto quanto Fernando Pessoa
não pensava duas vezes

(do contrário
não seria um poeta,
seria um homem comum
como os burocratas
durante trinta dias do mês
repetindo
as mesmas vozes)

domingo, 29 de novembro de 2015

"My way" tupiniquim


Desde pequeno
nunca gostei de pouco
Acho que enlouqueceria
se fizesse apenas o que
os outros fazem

Assim cresci
descrevendo
e escrevendo
meu próprio caminho

A dor
É condição humana
O sofrer
Já é símbolo
De fraqueza em vão

Foco?
Pra mim
É o marido
Da foca

Jamais poderia
Conviver
Com tantos elos
Em expansão
Por aí
E ater-me apenas
a um

Não ser pouco
É ser mais
Que apenas um

É ser louco
Enquanto a razão
Estiver do lado
De fora
Enquanto por dentro
Nada somos
Iguais
Epicentro de tudo
Que cada momento
Eterniza
No horizonte
Ou no cais

sábado, 28 de novembro de 2015

Olha,




A borboleta que passa
Ninguém sabe se ela
Realmente passa
Ou apenas está
lembrando
o casulo...

Se seu voo
Começa por si
Ou a antiga prisão
Era na verdade
Um coração guardado
No fundo de
Um peito sofrido
Que, um dia,
Tornou-se
Alado

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Grande pássaro




Que nada se assemelha
Ao vermelho do sangue
De quem não voa



Que nem de longe
Chega tão perto
De sua penugem
Como metáfora
de perigo
Que em nada se espelha

Não é pensamento
É fruto
de suas próprias asas
em instinto
constante

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Ciranda de anciães



Dá-se
Seja em boteco
Em barraco
Caído num buraco
Seja em taipa
atrás de muros
Seja em monumento
sem pudores
Seja cheio de amores
na planície
ou em montanhas
Sejam ruídos
ou estranhas vibrações

Sabem de lá
mais do que daqui
quem lambe o Universo
pelas folhas que caem
pelo tempo
Não pelo momento
do vento
mais incessante
(estas folhas
apenas obedecem

a outro movimento).

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Livre



As rimas nada podem
ao controlar
sílaba a sílaba
cada célula
do poema

Se eu fosse o poema
e os versos
meu jeito de caminhar
as rimas seriam
pedras no caminho
o tropeço
a queda
(chão estranho)

O ritmo
me atropela
com seus gritos
de aviso
e revolta

Controverso
aniquila
toda aquela tola
janela
moldura estéril
de paisagem
que cala

O poema só se agita
– aí, sim –
quando não tropeça
nem cai
eleva-se em si
e acima

Como
uma conversa
boa
ao pé de uma
laranjeira
uma moça
à toa
de olhos sem hora

e um poeta
com língua ávida

que voa

terça-feira, 24 de novembro de 2015

A mão dos homens...




... que ferem a terra
acabarão por vez
feridas


A mão dos homens
que plantam
e conferem à terra
a voz de mãe,
esta, sim, é
querida

E traz em si
o futuro
em sua origem


segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Éramos jovens,


https://www.youtube.com/watch?v=4Cq8qKk2aSM


antes de nos tornar eternos.

Fazíamos música,
antes mesmo de sabermos
ou nos conhecermos

Sonhávamos,
antes de descobrir
a finitude
de Eros.


Quem éramos?

Os deuses
não eram homens
nem astronautas
viviam
em nossas flautas
guitarras
ecoavam seu brilho
andarilhos
levavam a mensagem
de uma nova
viagem
sem volta
para nunca mais

domingo, 22 de novembro de 2015

Quartos – III




Quem sabe a solidão
Seja uma forma de delírio
Tal qual a plataforma
Desse rio
Que se forma entre as plantas
E os pássaros
Em mim?

Quem sabe a coragem
De abrir o peito aos ventos
E deixar o coração
Mais que aberto,
Em movimento...
Mais que perdido,
Sob encanto?

Quem sabe a tristeza
Seja a ilusão
De um relâmpago brevíssimo
que após sua surpresa
deixa a luz da lua
gritar nossos nomes
sobre as praças
como raízes de luz
felizes e em paz
sobre a Terra.

sábado, 21 de novembro de 2015

Quartos – II





Em cada um deles
a lembrança 
de tudo que amanhece



Mas... e à noite?

Quem anoitece?

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Quebra-se o mar...

[ Consciência Negra - I ]


... mas não se quebra
seu movimento

quebram-se raízes
mas não se quebra
sua evolução

a origem africana
da pele da Terra
colhe frutos
ainda hoje

Vista-se do céu
Diz-se de um azul
Único

Vista-se da Terra
Faz-se um organismo
Vivo e dinâmico
Do orgasmo múltiplo
De raças e credos
Nações e continentes
Todos que, um dia,
Vieram dessa gente

Impõe-se o silêncio
mas não se quebra
seu horror

Gritam-se acima de tudo
E se perdem
De uma altura perdida
Porque nada na vida
É só rima
E flor

O que é igual
É monótono
É displicente
Átono
Monológico

O que é diferente
É altivo
É transparente
Tônico

Nas inconveniências
Nas incompletudes
Nas multirracionalidades
Brindamos a vida
Com o movimento
da História
em cada um
de nossos passos.




 [Consciência Negra - II ]



Todos nos banhamos
no mesmo rio...

Todos recebemos
a mesma chuva...

Todos cantamos
o mesmo hino...

Todos frequentam
a mesma escola
da vida...

Todos sonhamos
o mesmo sonho...




[Consciência Negra - III ]


Não há batuque
Qualquer truque rítmico
De qualquer espécie
Ou face
(Longe de ser
um enlace pouco)
Que não seja ataque
De um bongô
Repinique
Atabaque

Um carinho
um toque

O olhar interior
descolorindo
qualquer vestígio
de respiração
sem vida comum




[Consciência Negra - IV]


Sou branco
Apesar de ser pobre
Apesar de sofrer quieto
Apesar de escrever
Em pratos vazios

Sou branco na pele
Das ruas
Nas luas em botequins
Mulheres afins

Quis Deus
Que eu nascesse
Brasileiro
Algo como ser
Um continente vivo
Ardente
E inconstante


[Consciência Negra - V ]


Difícil
É a distância
Entre as cores

Impossível
A questão física
Ou metafísica

Fácil
São os corações humanos
em pleno ar
Pulmões abertos
A todos os horizontes
Pouco importa
Se quase destruídos
Em Canudos ou
Palmares

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Quartos...



... e em cada um deles
mora uma esperança

Ouvidos de quem sabe
Ouvir a noite
Ou de quem caminha
ao redor de uma fogueira

Não em praças
mas em bocas de fogão

Sem relógio na memória
Não mais África
Não mais Nordeste

Agora,
São quartos minguantes
Sementes
Que se imaginam verão
Quando ardem
Na poeira invisível
De suas quatro paredes
impossíveis

Quartos sem língua
Fogo ardente e móvel
Somos trinta quartos
Trinta formas de viver
Enquanto a TV
Não vier

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Círculo - II




Quantos pontos
há na composição
de um círculo?

Quantas rodas
no coração
de um circuito?


Do cóccix à nuca
Kundalini
desperta a sinuosa
fúria que apoia
a linha da vida

Quantos contornos
na curvatura
do corpo da fera?

Quantos Universos
na contradança
que não para?

(algum Deus
ainda haverá
de criar
um terceiro sexo
– seu fluxo
já se faz presenciar...)

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Círculos



Se oferecem
em vida
durante nossa
Eternidade
Neste tempo
em que nada
atravessa
Nosso destino
Entre corpos
Entre portos
Entre o que fui
E o que somos

Entre juntos
E nunca só

A pele morena
chama ao Universo
seu drama
de ser infinito
enquanto
nossos corpos
apenas é chama

Mas nunca será tarde
Sempre arde
a fogueira humana


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Correm os trabalhadores...

Operário - TARSILA DO AMARAL


... para receberem
Algumas moedas
De seus patrões.

Na Estrada de Ferro
Central do Brasil
Os trabalhadores
Estão correndo...
Para onde?

O que perderiam
Se não corressem?

Eu sou meus dedos
Correndo em busca de quê?

Meus segredos
Não têm patrão!

Meus medos
Não dominam a mim

Minhas estradas
Não se abrem em mim

Os trabalhadores que correm,
Sim,
Correm em mim
Atravessam minha vida
Com seu sangue
Exposto em avenidas
Ruas, casas e edifícios

É muito rápida essa
Correria
Carregando nos ombros
As promessas
Enchendo de pobreza
As praças

Correndo como folha
Ao vento
Sem nenhum sentido
Apenas um resto de salário
Nenhum gosto
E gesto algum
De cansaço

domingo, 15 de novembro de 2015

Se eu volto pra casa...




... espero encontrar
Sempre
O que nunca deixo
lá fora:
A mochila aberta
e suada
O violão...
O gato...

Muitos rastros
pelos cantos
do que preciso
para estar no mundo

Muitos momentos
Que não cabem
Nem na sala
Nem no quarto

Muitos pensamentos
que não são tantos
Para passar pela porta
Sentir o cheiro
Da vida
Entre o sofá
A cama
E o resto de minhas lembranças

sábado, 14 de novembro de 2015

Escrevo,


Minha velha e boa Champion-Umderwood


... logo canto!

Canto,
logo sorrio!

Sorrio,
logo me sinto!

Sinto,
logo espanto!

Espanto,
logo espero!

Arrepio,
logo eu quero!


(Aonde quer ir este poema?)

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A solidão




Dos monges
Dos padres
Dos pais de santo

A solidão
Da madrugada
(sem a música da lua)
da montanha
(sem o olhar do vento)
da floresta
(sem a bênção dos índios)

A solidão é crua
Não cruel, como dizem
A solidão ressoa por dentro
E toca instrumentos
Enquanto pensamos
No que ainda somos
E por enquanto


quinta-feira, 12 de novembro de 2015

  Eu não sei bem...



... o que eu quero dizer
com isso

(vide Octavio Paz e Caetano Veloso)


Sei que digo
E nada mais quero
Do que o afago,
O ego da fruta
do futuro

O que quero dizer
Com isso?

(vide Antonio Machado e Olavo Bilac)

O que quero mesmo
É sonhar
Ao lado de um amigo
Dizer sem dizer
E, assim dito,
Saber que só mato
O que já morreu
Ressuscito
O que ainda fere
O sentido da palavra
Que me escapou

(assim é toda ferida
o que resta é
Ressurreição!)

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Eu e o mundo – II



O Universo não pertence
A Einstein

Sua veia cósmica
Pensou-nos
Como espectros
Da natureza
Que se criam
Quando pensam
E, quando pensam,
Morrem

Somos criaturas
Que ele imaginou
Existir
Em uma eternidade
Que oscila
Entre o aqui, o agora

E o pra sempre

terça-feira, 10 de novembro de 2015

O preço dessa liberdade...




... é a prisão de um papel branco
De uma caneta branca
De um sonho em branco

Na vida
É sempre assim:
Ou tingimos ou pintamos
Ou arrancamos ou colhemos

A prisão preta e verdadeira
É de uma caneta preta
E um sonho obscuro

Um sonho
Que ninguém
Nem eu
Ninguém vê
Mas está ali
Está aqui
Está em quem lê
Está em quem pensa

Nunca está
Em quem caminha pelas ruas
Como se as ruas
Fossem o único caminho

De quem só sabe sobreviver

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Eu e o mundo...



... andamos sempre às turvas
Não importa
Se as curvas do Universo
Nos deixem poucos
Talvez nem tantos

Mesmo aos tropeços
Somos um lançamento
Um arremesso
Um processo delinquente
Se nos lançamos
Do mundo
Em que vivemos
Até o Universo
Onde um dia
Estaremos

Somos ao delinquir
Aqüíferos
Lama e lótus
Luz que ilumina
Em todo escuro
O porvir

domingo, 8 de novembro de 2015

Um poema... - II




... tem nas mãos
Apenas O desejo
De olhar
Por necessidade
Ou consideração

Tem no que faço
A intenção
Dos que se lançam
Sem saber de objetos
Que enferrujam
Com o tempo

Um poema
não deixa rastros
a não ser que os astros
permitam
descobrir seus rostos
do véu
da eternidade
mostrando
o pó de um poema
com uma só palavra:
Deus

sábado, 7 de novembro de 2015

Um poema...




... não decide
Se vai vir ou não

Rir ou chorar
Nascer ou morrer
Cantar ou calar


Se virá de quem sai
Se partirá de quem vem
Se subirá naquele que cai
Se perderá em que tem

Não é um oposto
Um poema não é
o contrário de nada
Apenas um contraste
Uma espécie de espelho
Que, ao primeiro conselho da lua,
Desce a rua
Ergue sua lupa
Por mais que seja pequena
E ascende nua
Ou desce repentinamente

Sem opostos
Sem contrários
Apenas um contraste
Que lhe justifica

Como poema

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

As duas flechas de um relógio




Onde é a alma
De seus ponteiros,
Santo...

Onde é a soma de
Seus ruídos,
Canto

Onde é a vida
Em convívio,
Manto...

Onde é a fome
E o desperdício,
Pranto

Onde a distância
E o reencontro,
Tanto

Onde a eternidade
E o infinito
Bento

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Tempo, tempo, tempo

 
Foto: João de Abreu Borges


Os ponteiros de um relógio
Lento
Ou a ampulheta
Em colheita de tempo
A cada grão
De tormento
Que se isola
para sustentar
a chama
e o rompimento
do que é agora
e do que fui
em grãos
de complementos.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Há tempo pra tudo


Silvia Pelissero – ACHADO (falacultura.com)


O próprio olho do tempo
Desapropria-se
De ser tempo
E, num campo de ação
Mais ou menos
Tenso,

Precisa de espaço
Para o entendimento
Ser apenas
E tão somente
Movimento

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Chuva no Rio


Foto: Fernando Rejano (www.fernando.rejano.com.br)

Chove na lagoa
Chove no rio
Chove no mar

É água boa
Língua em cio
Da boca aguar

Os guarda-chuvas
Contornam pensamentos
Dão sombra às roupas
E não sonham
A caminho do trabalho

(apenas uma orgia de sol
é a chave das portas
o mistério dos portões:
delírio no telhado
nuvem sob as pálpebras
olhos sem calçadas

Raios líquidos amanhecem
cantando inúteis
num ruflar de mandíbulas
algo que ecoa
acima das árvores.